Protagonistas na escola e na vida
Currículo para o ensino médio desenvolvido em parceria com o estado do Rio de Janeiro aposta na participação ativa dos estudantes e na interdisciplinaridade. A proposta, aplicada em escola carioca, tem gerado bons resultados.
Reportagem de Valentina Leite
Os estudantes do Ceca são levados a questionar o que aprendem em sala, além de aplicarem o conteúdo teórico em atividades de projeto e pesquisa. (foto: Cris Torres/ Seeduc-RJ)
Uma das grandes causas de evasão nas escolas públicas do Brasil é o desinteresse por parte dos alunos, de acordo com dados da Fundação Getúlio Vargas. O ensino tradicional, baseado em disciplinas fragmentadas e com pouca conexão com a realidade dos jovens, pode ser um dos fatores por trás desse quadro.
Por isso, entidades governamentais têm buscado, em parceria com instituições não governamentais e privadas, desenvolver soluções pedagógicas inovadoras. No Colégio Estadual Chico Anysio (Ceca), no bairro do Andaraí, no Rio de Janeiro, uma dessas iniciativas já está em prática. Trata-se de uma nova proposta curricular que visa estimular os estudantes por meio de atividades desenvolvidas pelos próprios alunos.
O currículo inclui projetos de iniciativa dos estudantes que podem ser de cunho cultural, social ou econômico
O projeto, batizado de Solução Educacional para o Ensino Médio, é fruto da parceria do Instituto Ayrton Senna com a Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro e está em curso desde 2013 na escola carioca. A iniciativa propõe um currículo escolar diferenciado, organizado em dois grandes componentes, para promover a educação integral.
De um lado, estão as disciplinas previstas na legislação brasileira, divididas em quatro áreas de conhecimento (ciências humanas, linguagens, ciências da natureza e matemática), que são abordadas de maneira integrada em sala de aula, com conteúdos interdisciplinares. Do outro, está o chamado núcleo articulador, que consiste em atividades voltadas ao desenvolvimento de projetos feitos pelos próprios alunos.
Muitas vezes os alunos são organizados em grupos para desenvolverem trabalhos de pesquisa a serem apresentados para uma banca avaliadora. Há ainda outros projetos de iniciativa dos estudantes que podem ser de cunho cultural, social ou econômico.
Aproximação com os jovens
Segundo a coordenadora de educação do Instituto Ayrton Senna e líder do projeto, Simone André, a abordagem serve para aproximar a escola dos interesses dos jovens. “Hoje, a escola está diante de uma juventude diferente e precisa oferecer a ela uma educação plena, gerando oportunidades para que desenvolva seu potencial e possa fazer escolhas conscientes em sua vida profissional”, afirma.
No final do ano passado, alunos do 1º ano do ensino médio do Ceca trabalharam em uma campanha de conscientização para evitar o desperdício de comida na escola batizada de Fome Zero. A coordenadora pedagógica do colégio, Cátia Marina Andrade, afirma que a iniciativa partiu de um grupo de alunos.
Outro projeto desenvolvido em 2014 foi um aplicativo parasmartphones que indica a quantidade de calorias contida em uma série de alimentos
“Eles observaram que, todos os dias, oito quilos de comida iam para o lixo”, diz. “Inspirados por esse panorama, montaram cartazes, espalharam panfletos e convidaram um palestrante para falar sobre o tema na escola.” Além disso, os alunos apresentaram uma proposta à coordenação para que cada um servisse sua própria comida em vez de serem servidos por um funcionário do colégio, evitando excessos.
Outro projeto desenvolvido em 2014 foi o Ligados na Saúde, um aplicativo para smartphones que indica a quantidade de calorias contida em uma série de alimentos. Cátia explica que o software serve para consultas e também para auxiliar no controle das calorias consumidas diariamente. Os alunos contam com a orientação de um professor e suporte técnico da escola.
Além das iniciativas dos alunos, o novo currículo prevê ainda a prática de esportes, como esgrima e judô, e atividades culturais, como aulas de música. Os professores e toda a equipe pedagógica envolvida recebem formação constante sobre novas metodologias que ajudem a preparar o jovem para desenvolver sua autonomia, visando uma educação plena.
Para Willmann Costa, professor e diretor geral do Ceca, isso estimula tanto o aluno quanto o profissional, que ajuda a formar cidadãos. “A proposta é trabalhar de forma colaborativa, transformando positivamente o ambiente da sala de aula por meio do diálogo entre professores e alunos”, diz Costa. “Com isso, o aluno é levado a desenvolver a autogestão e o protagonismo”.
Os resultados obtidos pelo projeto têm sido positivos. No terceiro bimestre de 2014, os alunos do Ceca tiveram um desempenho 62% superior ao dos estudantes de outras escolas da rede estadual avaliadas pelo sistema Saerjinho em língua portuguesa. Já em matemática, a performance foi 72% melhor.
Os alunos do Ceca tiveram um desempenho 62% superior ao dos estudantes de outras escolas da rede estadual em língua portuguesa. Já em matemática, a performance foi 72% melhor
Após dois anos de projeto, Costa aponta que já é possível observar mudanças no comportamento dos alunos. “Após entrarem em contato com o modelo, eles se tornam mais falantes, questionadores e defensores de seus pontos de vista”, diz o professor. “Além disso, cuidam melhor do ambiente da escola.”
Os coordenadores do projeto sinalizam a intenção de expandir o modelo para outras escolas da rede de ensino público do Rio de Janeiro. Além do Ceca, ele já tem sido aplicado de forma simplificada em algumas escolas do Rio de Janeiro integrantes do Programa Ensino Médio Inovador (ProEMI), estratégia do Ministério da Educação que apoia o desenvolvimento de propostas curriculares inovadoras. Além disso, o modelo também é aplicado parcialmente em 700 escolas distribuídas por todo o estado do Rio de Janeiro.
Para Simone André, o projeto alavanca a educação no país. “O Rio de Janeiro já vem superando alguns de seus desafios da educação”, diz. “Os resultados positivos dessa nova proposta pedagógica serão muito importantes para conscientizar a sociedade brasileira quanto à necessidade de se repensar o atual modelo de ensino médio”, conclui.
Valentina Leite
Ciência Hoje On-line
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