Falta de acesso a creches e pré-escolas amplia desigualdade no Brasil.

No Festival LED, especialistas refletem sobre como o ambiente influencia trajetórias e formação cidadã nos primeiros anos de vida.


por Marina Lopes 11 de julho de 2022.

Uma criança que recebe bons estímulos nos primeiros anos de vida conta com maior chance de ter um bom rendimento escolar e, consequentemente, um aumento de renda na vida adulta. Apesar dessa informação não ser novidade para pesquisadores e especialistas em educação, ela ainda coloca o Brasil em uma realidade preocupante: apenas 27,8% das crianças de famílias mais pobres frequentam a escola, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2019, a Pnad Contínua.


“O não acesso é uma das razões que fomenta a desigualdade no nosso país”, garante o pedagogo e doutor em educação Paulo Fochi, fundador e coordenador do Observatório da Cultura Infantil. Nesse contexto, estar fora da escola significa para a criança perder uma série de oportunidades educativas, culturais, de bem-estar e de saúde que impactam duramente o seu desenvolvimento, nos tempos presente e futuro.

“A gente está falando que, no início da vida dessa criança, ela já está fadada a não ter uma série de oportunidades, e isso vai ter uma implicação nesse momento da vida dela. A gente não trata a criança como um sujeito que um dia vai ser alguém. A criança já é, ela já sente, ela já pensa. Mas nós também estamos falando de uma construção de uma sociedade que já começa desigual para essa criança”, ressalta Paulo, que esteve presente no sábado (9), no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro (RJ), para participar do segundo dia do Festival LED – Luz na Educação, promovido pela Globo e Fundação Roberto Marinho, em parceria com a plataforma “Educação 360 – Conferência Internacional de Educação”, da Editora Globo.

Junto com a professora e doutora Barbara Carine, criadora da Escola Afro-Brasileira Maria Felipa, e o doutor Drauzio Varella, com a mediação de Andrea Sadi, jornalista e âncora do Estúdio I, na GloboNews, Paulo participou do debate que buscou refletir sobre a importância dos primeiros anos de vida para a formação cidadã das crianças.

Para Paulo, pensar no acesso à educação infantil é cumprir uma dívida histórica do direito das crianças, expresso na Constituição Federal de 1988. “Só para vocês terem um parâmetro temporal: a gente passou por um entendimento muito importante, que era do direito de a mãe de ter um lugar para o seu filho enquanto ela trabalhava, para [compreender] o direito de uma criança. E aí a gente começou a falar de uma criança que tem direito a uma instituição educativa.”

No entanto, quando se trata de direito, é importante pensar que ele não está associado apenas ao acesso, mas também à construção de um espaço com qualidade, cuidado, oportunidades adequadas de desenvolvimento, diferentes perspectivas culturais, que seja plural, pulsante, diverso e comprometendo com uma educação antirracista.

Ouça agora o Podcast “De 0 a 5”, parceria do Porvir com a Rede Nacional pela Primeira Infância:

Repensando o espaço educativo

A partir da sua própria experiência como mãe, e por ter conhecimento acerca de várias questões que a sua filha enfrentaria no espaço escolar, Barbara Carine teve a ideia e o desejo de criar uma escola que se baseia em uma perspectiva decolonial e cria condições para que as crianças desenvolvam suas capacidades de forma plena. “Eu não encontrei nenhuma escola possível de educar minha filha para uma construção subjetiva de potencialidade”, diz a professora e doutora em ensino de química.

Localizada no bairro de Federação, em Salvador (BA), a Escolinha Maria Felipa é uma escola de educação infantil, afro-brasileira e trilíngue – português, inglês e libras. “A nossa escola é uma escola básica, uma escola regular. Não tem a escola pan-americana, americana, canadense e francesa? A minha escola é afro-brasileira”, reforça.

Para promover uma educação que impulsione as crianças a desenvolverem suas potencialidades, ela diz que é preciso romper com uma lógica que pensa as pessoas pretas dentro de uma dinâmica do folclore. “O racismo estrutural reverbera nas microestruturas da nossa sociedade”, aponta ela, ao chamar atenção para o fato de que nas próprias estruturas das escolas, os dirigentes, as pessoas da coordenação, do setor de psicologia e da administração são brancas. Enquanto isso, as pessoas negras estão abrindo o portão, limpando o bumbum das crianças e brincando no chão da escola. “A criança já constrói a sua subjetividade. A partir dessa imagética, ela compreende, desde ali, que o mundo não é dela.”

Romper com essa lógica, no entanto, passa pelo reconhecimento de potências. “A gente produziu conhecimento, e essa intelectualidade ancestral precisa chegar na sala de aula. Para quê? Para que as crianças pretas olhem para a sua ancestralidade e digam: ‘Eu não vim de escravo. A minha história começa muito antes. A minha história começa com potência, eu sou potente'”.

Fonte: Porvir

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